Rock de contestação no rádio; posters dos Beatles e dos Rolling Stones nas paredes de seus quartos; idolatria por Che Guevara, Marx e Marcuse; cigarro com filtros de um lado, maconha do outro; uma câmera fotográfica na mão; idéias incompletas na cabeça. Seu visual inovador, colorido, se contrasta com as tradicionais cores discretas como preto, o branco e o cinza; os cabelos longos se consagram em oposição ao corte militar; as barbas compridas;o coração tomado por uma sede de mudanças. Esse poço de contradições era o jovem que nascia em 68 e que foi constante ao longo dos anos 70. Utópico, sonhador.
As mentes dos garotos e garotas estavam povoadas por projetos coletivos de transformação da sociedade. Existia uma ânsia pelo novo. Esta geração não se acomodou e lutava avidamente contra qualquer tipo de autoritarismo, sonhando com um mundo de paz regido pela imaginário e livre de qualquer repressão. Havia uma explosão de sexualidade e de busca pelo prazer.
Era a hora de experimentar. A geração de 68 experimentou todos os limites possíveis, sejam eles de cunho político, social ou comportamental. Segundo Zuenir Ventura, autor do best-seller “1968 – O ano que não terminou”, “experimentava-se em todas as áreas, quase sempre pelo simples prazer da descoberta”. Essa descoberta se dava pelos gestos de liberdade sexual, pelo inconformismo com os valores existentes e pelas experiências com drogas.
No que diz respeito às drogas, seu uso é uma prática adotada desde a antiguidade. O seu consumo, na maior parte dos casos, estava intimamente ligado às tradições culturais e religiosas dos povos. As plantações de Coca (planta que dá origem à Cocaína), por exemplo, eram comuns por volta do século XV, cultivadas como qualquer outro gênero agrícola. No final do século XIX surgiram grupos de religiosos que iniciaram movimentos em defesa da proibição das drogas, estabelecendo-as como inimigas do puritanismo pregado como um dogma pela religião. Até o início do século XX as drogas eram livremente comercializadas, mas segundo Rodrigues (2003), o debate sobre o consumo destas substâncias começou a se intensificar no começo deste mesmo século, nos EUA.
A proibição do comércio de drogas é estabelecida apenas em 1914 nos EUA e em 1921 no Brasil. Segundo essas novas diretrizes instituía-se a figura do traficante e do usuário como alvos de perseguição. O primeiro deveria ser encarcerado e o usuário, considerado doente, deveria ser tratado. (RODRIGUES,2003,p.30). A partir daí o uso das drogas passou a ser considerado como um ultraje às tradições da sociedade conservadora.
O que ocorre a partir de 68 é uma reviravolta na forma de encarar as antigas instituições que davam base à esta sociedade, incluindo uma nova forma de ver a utilização das drogas. Houve uma espécie de utopia ingênua, de forma que se acreditava que as drogas seriam um caminho para a ampliação do conhecimento, de autoconhecimento, de liberação da sensibilidade e da sexualidade e de expansão da consciência. A droga foi mitificada como “a chave para as portas da percepção”. O livro de Aldous Huxley, com esse título, de 1954, influenciou jovens do mundo todo. Segundo ele, as drogas atuariam nas terminações nervosas – sinapses – permitindo uma maior percepção dos sentidos externos e internos.
Naquela época, até mesmo as esquerdas brasileiras eram, em geral, muito “caretas” a esse respeito e os jovens brasileiros que já adotavam as premissas do movimento hippie eram muito mal vistos. As drogas circulavam muito mais na cultura americana do que nas outras. Os estudantes do Brasil ainda não se pareciam em nada com os jovens americanos, que optavam pelos jeans rasgados e desbotados, pés enfiados em sandálias rústicas, anéis, colares de índio e cabelos longos. As roupas dos jovens contestadores brasileiros eram comportadas e o corte de cabelo mantinha o estilo tradicional. Foi apenas a partir dos anos 70 que o movimento de contra-cultura protagonizado pelos hippie se espalhou, generalizando o consumo das drogas por todo o globo.
O surgimento dos hippies coincide com o auge do sentimento de repudia dos jovens à Guerra do Vietnã. Nenhum outro acontecimento desde a Guerra de Secessão (1861-1865) causou tamanha divisão na opinião pública dos EUA. Os conservadores e a chamada “maioria silenciosa” acreditavam que era uma guerra justa e nobre, de forma que os americanos estavam a impedir uma ameaça comunista. O mundo vivia em plena Guerra Fria e o embate “socialismo X capitalismo” era a principal pauta de todas as discussões e conflitos.
A juventude universitária, os intelectuais e os escritores não concordavam com os argumentos dos conservadores. A duração e a proporção da guerra no Vietnã havia chamado a atenção. Para eles a maior potência do mundo queria impor seu poderio à um pequeno país da Ásia, recorrendo a pretextos pseudo-humanitários que serviam de máscara para os bombardeios, massacres e várias outras atrocidades presenciadas durante a guerra. Uma crescente crítica não só a ação militar mas aos valores globais da sociedade americana foram conseqüências dessa nova maneira de pensar.
Os jovens de 68 nos EUA acharam várias maneiras de contestar essa situação, seja pregando a desobediência civil, seja queimando em grandes manifestações públicas as convocações para o serviço militar, seja vestindo brim e trajes de algodão colorido. Foi nesse contexto que se desenvolvia amplamente o movimento hippie. O auge deste movimento foi o festival de Woodstock, que marcou os valores da geração de 60 e ajudou a divulgar e ampliar o consumo das drogas.
Os jovens desejavam um alívio momentâneo das tensão e frustração causadas pela guerra e viajavam sob o efeito da maconha, das perigosas bolinhas, do haxixe e de alucinógenos como a psilocibina (alcalóide extraído de um cogumelo) e o LSD. O uso do cigarro de tabaco muitas vezes era considerado prejudicial à saúde, enquanto a maconha e outras drogas eram exaltadas devido a sua natureza ilícita, de quebra às antigas normas de conduta. Na procura de “Lucy in the Sky with Diamonds” e outras substâncias, personalidades como Jimi Handrix e Janis Joplin não encontraram o caminho de volta.
A literatura dos jovens de 68 passava desde Herman Hesse, cujos livros centravam-se em histórias orientais de iniciação à introspecção e à meditação nirvânica ao poeta Dylan Thomas, um rompedor de regras. O movimento de contra-cultura era visto como uma dissociação profunda dos pressupostos básicos que regiam a sociedade americana, sendo até mesmo considerado como uma invasão bárbara de aspecto alarmante. Nos anos 70, o movimento ganhou proporções mundiais, espalhando os slogans de “Paz e Amor” e “Faça Amor, Não Faça Guerra”.
De fato as drogas tiveram uma forte influência não só no movimento hippie mas em muitos dos movimentos de contestação que tomaram conta do mundo ao longo do ano de 1968. Sua popularização permitiu a disseminação dos sentimentos de liberdade revolucionária. O que ainda não era percebido nesta época era o potencial destrutivo destas drogas e suas implicações sociais quando ligadas ao crime organizado.
As drogas, atualmente dominadas por multinacionais, são um dos negócios mais rentáveis do mundo. Segundo Zuenir Ventura este seria o pior legado de 68, segundo ele “uma herança maldita”. O uso das drogas pode ser um instrumento de morte, algo extremamente perigoso se não houver respeito e intensão de uso além do “barato”.